Esportes/Surf

A Ascensão do Surf Feminino
Por Redação Didachê
Paralelamente à evolução didática que tem sido observada no surf atualmente, testemunhamos o crescimento do número de mulheres surfando de pranchinha. Há alguns anos atrás, era muito raro ver uma mulher no mar, que estivesse surfando de pranchinha. Eram poucas as mulheres dentro d'água, e as que estivessem, comumente estavam com boady board. Havia uma mentalidade de que o surf de prancha era coisa pra homem, pelo fato de ser muito mais difícil e exigir mais fisicamente.
Hoje, o quadro já é bem diferente. Esses dias eu fazia um free surf na Praia do Norte, em Ilhéus, mais precisamente no Pier, e as mulheres de prancha eram um número considerável, em relação ao de homens, no mar... Isso é muito bom, pois foi refutada aquela mentalidade, de alguns anos atrás, de que só os homens tinham capacidade para essa modalidade. E apesar de que os especialistas em educação física reconheçam que o exercício da remada deixa a mulher com os ombros um pouco mais largos, tal como na natação, esse é o preço a pagar por aquelas que amam o surf, sem deixarem de ser mulheres e femininas. A verdade é que as mulheres ainda são favorecidas pelo fato de que a maioria dos surfistas, de olho nas girls que entram no mar, tinha e têm um comportamento totalmente diferente da hostilidade que existe entre os próprios homens ou em relação aos haoles...
Há poucos dias, na Tiririca, em Itacaré, uma estrangeira, que está aprendendo a surfar, e tinha comprado um fun, me perguntava sobre o surf feminino, se as mulheres, de fato, conseguiam realizar os mesmos feitos dos homens ou se equiparar a eles... Eu lhe respondi que, apesar de a estrutura do corpo da mulher ser um pouco mais frágil que a do homem, as mulheres têm mandado bem, têm conseguido fazer as mesmas coisas, as mesmas manobras, e, muitas vezes, têm tido um desempenho até mesmo melhor que o de muitos homens, tradicionais no esporte.
Um grande exemplo disso é a catarinense Jacqueline Silva, com quem tivemos a oportunidade de trocar idéia em Itacaré, recentemente. Descobrimo-la meio que ocasionalmente, enquanto procurávamos por algumas atletas que estavam na city, a fim de entrevistá-las. Nós a confundimos até com alguma das estrangeiras, pois ela é parecida com elas... Ficamos admirados com a receptividade e simpatia, especialmente desta campeã, e da australiana Samantha Cornish, que ganhou a etapa do WCT de Itacaré. Sem dúvida, elas foram as campeãs em simpatia...
Jaqueline foi campeã mundial pelo WQS em 2001, e torcemos para que ela repita o feito, o que será inédito no surf feminino mundial. Ela é forte candidata a se tornar bicampeã do WQS na etapa final, que deverá ser realizada em novembro no Hawaii. Também conseguiu o vice-campeonato no ranking final do WCT em 2002, o melhor resultado já conquistado por um atleta brasileiro no surf.
Segue aí parte da entrevista, que consistiu numa prosa mais ou menos informal, que rolou na Pousada Terra, em Itacaré.
DB (Didachê Brasil)- Jacqueline, é uma grande honra receber você aqui em nossa terra, e sabemos que o resultado na competição não quer dizer nada, pois reconhecemos o seu grande potencial¹... As baterias são imprevisíveis, às vezes não entra onda no lugar onde você está, etc...
Jacque- é verdade, é tudo muito imprevisível...
DB- e os picos em Floripa?
Jacque- Agora a água está muito fria... Mas tem bons picos, como Moçambique e Joaquina, que dão onda o ano todo.
Na verdade, eu fico muito pouco tempo em Floripa, porque quando cheguei, já estou viajando... Às vezes, passo um dia só lá...
DB- Esta é a vida que todo surfista sonha: viver viajando e surfando altas ondas em vários picos perfeitos...
Jacque- É, mas viver assim também tem o outro lado... Quando você está no circuito, às vezes cansa, porque a gente fica o tempo todo viajando, e arruma sacola, daqui a pouco já vai de novo para outro lugar... Isso estressa um pouco...
DB- E Hawaii, você já pegou Pipe, etc., não é? E os corais? Fala aí...
Jacque- ô, e os caras entram em tua frente, rabeando... Queixam mesmo, e a bancada logo ali...
Na verdade, só dá onda na ilha quatro meses por ano, e é uma loucura pra surfar, pois tem os havaianos todos querendo surfar, e não rola uma atmosfera muito boa, pois os caras brigam mesmo por causa de onda; tem estrangeiro do mundo todo querendo fazer free surf, gente querendo tirar foto, fazer filmagem... Quase não dá pra surfar... Eu, praticamente, só pego lá na hora da competição²...
DB- E isso dificulta, pois assim não se tem tempo pra treinar e se habituar com a onda...
Rola também o maior localismo... Aqui em Itacaré, a coisa não é assim... Tem uns caras mais novos na city, que chegaram a pouco tempo, e querem tirar onda, mas os locais mesmo, os da antiga (de antes da rodovia...), a maioria é nenhuma. É claro, que isso não significa que alguém vai dar mole e ficar por isso mesmo, pois de quando em vez rola uma "trêta", mas, no geral, não é como lá, que os caras não querem nem te deixar surfar, e te botam pra fora do mar mesmo...
E quais outros picos que você acha que foram marcantes?
Jacque- Ah, tem vários picos, como Austrália ou a Indonésia, por exemplo, que tem altas ondas e praticamente sem crowd...
DB- Você falou na Austrália. E a questão de peixes, o tubarão branco mesmo, que rola?
Jacque- É, na Austrália, na África do Sul, e em alguns lugares que a gente surfa, mas nunca aconteceu nada não...
DB- Você usa algum repelente, como o Shark Shield?
Jacque -Não...
DB- E o lance assim de fundo de pedra? Você já se machucou?
Jacque- Já me machuquei superficialmente, de ralar um pouco a pele, mas nunca algo do tipo tomar ponto, etc.
DB- A onda aqui na Tiririca é power, mas quando tá grande, fecha um pouco, por causa do fundo que não segura... Já o canto direito da Prainha ou a Engenhoca abrem mais...
Jacque- É, de fato, teve uns dias que tava difícil aqui na Tiririca. Tava grande e storm...
DB- Você pegou em outros picos aqui em Itacaré?
Jacque- Na Prainha... De fato, o canto direito tinha umas ondas...
DB- Há também outros picos aqui na região como o Backdoor de Olivença, que são muito bons de onda... No inverno, com o swell sul, lá dá altas ondas... A direita é muito extensa, e ainda rola canal...
Bem, Jacque, mais uma vez, quero dizer que é uma grande honra receber você aqui na nossa terra, reconhecemos seu potencial extraordinário e sabemos que você sempre vai representar muito bem o Brasil no surf!
1- Na etapa anterior à de Itacaré, recentemente, ela foi a campeã do Rip Curl Boadmasters 2007, etapa do WQS Feminino realizada em Newquay, Inglaterra.
2- Notar que, a partir do relato de uma profissional, a realidade do surf no Hawaii não é como comumente a maioria pensa...
Jacqueline Silva e o bicampeonato pelo WQS
Por Redação Didachê
A catarinense Jacqueline Silva conseguiu um título inédito na história do surf feminino: após ter obtido o vice-campeonato no ranking final do circuito WCT em 2002, o melhor resultado já conquistado por um atleta brasileiro no surf, Jacque conseguiu o bicampeonato pelo circuito WQS. Nunca, anteriormente, nenhuma surfista tinha conseguido esse resultado na história do WQS. Jacque obteve seu primeiro título pelo WQS e repetiu o feito, agora em novembro, em Haleiwa, Hawaii. Diretamente do Hawaii, ela compartilha conosco sobre sua experiência de bicampeã:
DB- Jacque, depois de seis anos, você esperava obter esse resultado no WQS novamente?
Jacque- Não esperava... Foi uma surpresa pra mim...
Fiz no ano anterior um dos piores da minha carreira e não criei expectativa nenhuma para esse ano, e as coisas aconteceram...
Fiquei muito contente com a minha atuação...
DB- O que você achou das condições de onda em Haleiwa?
Jacque- Boas, tinha ondas de até dois metros com a formação boa... Um pouco difícil por causa da corrente que tinha e que te jogava para fora do pico¹, mas estava bom...
DB- Qual a sensação de disputar um título inédito como esse no Hawaii? O que você sentiu no decorrer da competição?
Jacque- Fiquei muito ansiosa....Só a Stephanie Gilmore é que tinha chances reais de disputar o título comigo... Estava mais preocupada em ela avançar as baterias... Quando ela perdeu foi um alegria só... Entrei na minha bateria já campeã, dei o meu máximo, mas não passei... Mas o mais importante eu já havia conquistado, foi show! E novamente conquistei esse título no Hawaii. Agora são três...
DB- Jacque, como você própria disse, o nível do WQS não difere tanto assim do nível do WCT, uma vez que a maioria das atletas que corre o WCT também corre o WQS. E se você levou o título do WQS, isso pesa a favor de que os resultados no WCT não devem significar que você esteja aquém das demais atletas. A que, portanto, você atribui esses resultados no WCT? Por outro lado, a sua posição no WCT é algo que muitas almejam... Mas quais foram os maiores obstáculos? Problemas como aquele que rolou aqui em Itacaré, que na bateria as ondas não vinham pra você? Fale mais sobre as dificuldades também.
Jacque- O mar sim, às vezes, não colabora contigo, acho que o fator sorte existe, não é só saber surfar bem, tem que estar em sintonia com o mar, e nem sempre isso acontece...
O nível do WCT é até parecido quanto ao do WQS, mas o nome WCT pesa... É um circuito maior, com mais mídia, todos querem saber quem vai levar o título em cada ano do tour... Então existe essa pressão de se dar bem, arrumar resultados... Mas dá pra chegar junto, com certeza...
DB- Jacque, sabemos que você é bastante disciplinada e centrada nessas competições. Para você, qual o segredo da disciplina?
Jacque- O segredo cada um faz ou tem o seu... O meu é estar sempre saudável e feliz no meu dia-a-dia com tudo e todos; aí as coisas acontecem naturalmente...
DB- Você passou algum sufoco no Hawaii? Quais os piores que você já passou?
Jacque- Graças a Deus não... Já passei em Fiji. Tomei uma vaca² dando joelhinho, que fui arremessada contra os corais e me ralei por inteira... Fiquei muito assustada na hora, mas não foi nada grave...
DB- Quando você retorna para o Brasil? E tua família, como reagiu ao título? E a galera que torce por você?
Jacque- Retorno assim que terminar o último evento em Maui... Volto para o Natal sem falta... Minha família ficou muito feliz, sempre ficam com a conquista de qualquer resultado... Meus amigos, alguns acompanham e todos torcem. É muito legal...
DB- Quais são seus projetos para o futuro no surf?
Jacque- Tenho uma fábrica de pranchas. Meu irmão é shaper e somos sócios. Estou seguindo no ramo que eu gosto e dando uma força para meu irmão poder divulgar o trabalho dele.
DB- Como foram suas primeiras experiências com ondas grandes? Ocorreram já em Floripa, quando o mar sobe lá, ou fora? Quais os requisitos essenciais tecnicamente para surfar ondas grandes?
Jacque- Bom, as maiores foram no Hawaii, com certeza. Sunset e Maui... Mas já peguei uns dias grandes em Floripa, mas foram poucos... Lá tem que entrar na remada o que torna mais difícil chegar ao outside³...
Os requisitos para surfar ondas grandes são ter muita disposição e confiança... Tem que se sentir preparado, sem medo...
1- Lugar onde as ondas estão entrando...
2- Expressão usada para quando se cai na onda.
3-Arrebentação; lugar onde as ondas se formam, após o inside, que é onde as ondas quebram.
